Uma família é um sistema que pode ter vários subsistemas. Quando os filhos chegam para o sistema familiar, se funda o subsistema parental. Até então, o casal estava inserido em adaptações referentes a sua conjugalidade. Essas adaptações são próprias do subsistema conjugal, que se estabelece quando um casal decide se casar e formar uma família. Lembrando que o casal já é família mesmo sem os filhos, porque os cônjuges já formam a família conjugal. Isso quer dizer que, mesmo se os filhos nunca vierem, seja por opção ou outra razão, o casal pode ser considerado uma família. Entender que um casal será família apenas quando os filhos chegarem, é um equívoco. Os filhos já encontrarão uma família formada. Não são eles que a complementarão para formatar uma família. Não importa quantos filhos sejam acrescentados a uma família conjugal, o casal já é pleno em sua condição de família. Os filhos podem até chegar para ampliar essa família, mas não para completá-la.
O casal ao fundar uma família nuclear, forma o subsistema conjugal. Somente depois, no advento da chegada dos filhos, o casal, que já era família, formará um novo subsistema, o parental. Além do subsistema parental ainda se forma o subsistema filial e, caso vierem mais filhos, os irmãos formarão o subsistema fraterno. Os subsistemas podem coabitar de forma harmoniosa, sendo desejável que nenhum seja extinto. Nesse ponto, enfatiza-se a conciliação entre o subsistema conjugal e o parental, caso o casal tenha filhos. Os cuidados na manutenção da conjugalidade precisam estar inseridos na lista de prioridades dos cônjuges que se tornam pai e mãe.
Antes dos cônjuges serem pai e mãe são marido e esposa, e assim continuarão após os filhos crescerem e migrarem para a independência adulta. Ou seja, o lugar de marido e esposa deve ser preservado antes, durante e após o cuidado com os filhos. Obviamente não se está sugerindo que se deixe uma criança desamparada somente para atender as demandas do casamento. Pessoas casadas são adultas e deveriam ter certa maturidade para compreender que um recém-nascido precisa de atenção continuada do pai e da mãe para ser acolhido e cuidado, entre outras demandas, para poder se desenvolver saudavelmente. Mesmo assim, um casal pode desenvolver uma dinâmica relacional positiva em demonstrações de amor e empatia um pelo outro.
Quando um filho nasce, as novas tarefas que envolvem cuidar de um bebê, que são inúmeras, devem ser divididas em parceria, em novos acordos para a convivência familiar, que agora não é mais de duas, mas de três pessoas, ou talvez mais. Caso um dos dois, ou o pai ou a mãe, se isolar e deixar todas as novas tarefas para o outro, ou se um dos cônjuges excluir o outro do processo, poderá haver sérios conflitos. Isso pode acontecer quando o pai se isola, ficando na periferia, se comportando como um adolescente esperando que sua esposa o sirva após atender ao bebê. Ou então, quando uma mãe isola seu marido, excluindo-o da relação que ela tem com seu bebê. Essa ideia de que a mãe deve formar uma bolha emocional com seu bebê, e que o pai tem que ser colocado na periferia dessa relação, esperando que se afaste numa compreensão de que sua mulher agora tem um filho, é um caminho perigoso e pode colocar o subsistema conjugal em risco de extinção. Além de que pode prejudicar psiquicamente o filho em seu desenvolvimento, caso a simbiose materna se estabeleça por muito tempo após o nascimento.
A criança precisará que os pais a tratem com muito amor, atenção, apoio e paciência, sendo desejável que assim intervenham ambos, a mãe e o pai. É necessário ficar atento, pois os desafios e demandas com os cuidados dos filhos, especialmente na fase inicial, podem solapar a vida conjugal e gerar desconfortos entre o casal. Alguns casais se perdem nos processos que envolvem o tornar-se pai e mãe e abandonam totalmente o ser marido e esposa. Nesse abandono, o casal pode facilmente se formatar como uma república conjugal, tornando-se um habilidoso casal parental, sem mais ser um casal conjugal.
Não ser mais um casal conjugal não está relacionado à lacuna sexual, após o nascimento de um filho, pois um tempo de cuidados com o corpo da mãe no pós-parto faz parte e deve ser aceito com naturalidade, tanto pela esposa como pelo marido. Caso um casal entenda que a lacuna sexual pós-parto esteja extinguindo o casal, algo da sintonia relacional precisa ser revista, pois para um casal ser íntimo, há muitos outros aspectos além do sexo, que dão a liga necessária para que os cônjuges não se percam após o nascimento dos filhos. Ser esposa e marido envolve a vida sexual, mas não somente, nem mesmo exclusivamente. A parceria, o vínculo, a aliança, o amor, o respeito e o serviço mútuo envolvem grande parte dos aspectos que conduzirão o coração de um para o outro, de forma recíproca, para a constituição de uma conexão desejada, seja em tempos de plenitude ou em meio a lacunas. Mesmo assim, é importante lembrar que a lacuna sexual pós-parto não deveria ser vitalícia, pois o retorno à intimidade sexual também favorecerá a manutenção da subsistência da conjugalidade.
O subsistema parental não deveria jamais extinguir o subsistema conjugal. Conciliando um com o outro ambos poderão coabitar harmoniosamente. Para Carter e McGoldrick*, o casal deve adaptar sua unidade conjugal para dar espaço aos filhos, ao mesmo tempo em que deve preservar o seu papel conjugal. Os cônjuges, ao mesmo tempo em que estão empenhados em cuidar dos filhos, devem estar dedicados em cuidar do seu relacionamento, minimizando assim estresses conjugais e propiciando um ambiente mais harmônico. Ao mesmo tempo em que assumem as tarefas parentais no cuidado dos filhos, estarão próximos em sua conjugalidade.
A conciliação dos subsistemas conjugal e parental, contribuirá para uma melhor saúde conjugal e familiar. Os filhos crescerão extremamente beneficiados se seus pais se empenharem nessa harmonização e o casal experimentará o sentido na vida a dois em sua conexão.
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*CARTER, B.; MCGOLDRICK, M. et al. As mudanças no ciclo familiar: uma estrutura para a terapia familiar. Trad. Maria Adriana Veríssimo Veronese. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2001.
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