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Maternar e a Cultura

Writer's picture: Mirelli TurrossiMirelli Turrossi

O ano era 2011, se ouvia entre os jovens, nos corredores da minha antiga igreja, os burburinhos sobre uma nova série, cheias de figurinos e paisagens impecáveis e um enredo que cativava e criava a ansiedade pelo próximo episódio. Chegava no Brasil, Game of Thrones e com ele uma avalanche de fãs se formava.


Na época, eu não tinha acesso a canais de TV fechada, então eu escutava o que meus amigos diziam e ficava torcendo para um dia conseguir usufruir da tal série. Quando isso finalmente aconteceu, levei um choque logo no primeiro episódio, com uma cena de conotação sexual bem forte, mas continuei; no segundo episódio a mesma coisa, logo recebi a informação que as cenas de “soft porn” eram comuns na série, mas as pessoas, inclusive os cristãos, não pareciam se afetar muito com isso. 


Comecei a perceber que havia algo muito errado na forma como consumíamos o entretenimento, havia uma incoerência muito grande na passividade diante da cultura pop em especial, mas isso não é coisa de agora, décadas atrás conheci pessoas que frequentavam a escola bíblica pela manhã na minha igreja e a tarde se divertiam vendo programa do Gugu, incluindo uma parte onde mulheres seminuas ficavam deslizando numa banheira cheia de sabão.


No mundo do entretenimento não há uma guerra de cosmovisões, já existe uma cosmovisão vigente e ela é anti-cristã. Na música, na arte, nos teatros, literatura, moda ou cinema; por trás de tudo isso, há pessoas tentando plantar em nossa mente seus pressupostos, sua visão de mundo.


Steve Turner em seu livro “Engolidos pela cultura pop” nos alerta sobre a passividade com a qual enxergamos o que nos é oferecido como apenas entretenimento. Ele diz: “Há em nosso mundo a tentação de consumir sem pensar. Talvez tenhamos de usar nosso espírito crítico para fazer uma prova, mas não ao assistir Two and Half Men com um pedaço de pizza na mão. Ainda assim, o perigo de assistir a algo sem julgar é que permitimos que nossos valores sejam subitamente moldados por um insistente estímulo. Ver um mau comportamento representado e aprovado em uma série pode ter um efeito mais profundo em nós do que uma palestra defendendo o mesmo comportamento.” 


Como mães, temos um trabalho árduo pela frente, de ensinar nossos filhos a não somente consumir, mas também a questionar os pressupostos que são constantemente forçados goela abaixo.


Nós fazemos parte da cultura que nos rodeia, não podemos fugir dela e nos trancafiarmos em mosteiros, como cristãos temos um papel importante nisso tudo. A palavra “cultura” vem de cultivo, culto (raiz). Não existe “a cultura”, por assim dizer, existe o objetivo cultural (o que se pretende, formação, modelagem). Cultural é o que não foi formado de modo natural, por exemplo: a teia de aranha e a casa do João de Barro não são culturais. Cultura é um trabalho de formação na história que não é feita naturalmente, ela é pensada. Nós também precisamos ajudar a construir as narrativas que formam a cultura.


 Novamente, não existe campo neutro, a cultura também é um lugar a ser enxergado e interpretado através das lentes do evangelho, mas isso dá trabalho. Talvez por isso, muitos de nós cristãos, preferem apenas se moldar a partes da cultura que julgamos inofensivas.


Nancy Pearcey escreveu que a idade média que os meninos – isso pode incluir os nossos filhos – estão tendo contato com pornografia é de nove anos. Isso é assustador e talvez nós mães já estamos nos cuidados para evitar que nossos filhos façam parte dessa média, mas será que temos o mesmo cuidado ao que se refere aquilo que não se diz pornográfico, mas é?


O soft porn era a princípio um gênero, no qual algumas produções ganharam notoriedade, “Cinquenta Tons de Cinza” que o diga. A ideia é que a produção soft porn contenha cenas de nudez e insinuações sexuais, mas não escancarada, poderíamos dizer. O problema é que muitos filmes e séries vem trabalhando usando desse artifício, sem avisar seus espectadores. Quando você assiste, desemboca nessas cenas, mas como não está classificado como “soft porn”, você não julga errado, a vida continua e a ladeira só desce.

  

Tempos atrás eu e meu marido tivemos de levantar-nos de uma mesa numa praia da região e ir embora, porque a música que estava tocando era não somente pornográfica, mas disseminava violência contra a mulher e fazia apologia ao crime. Isso é o nosso cotidiano, cansei de sair de estabelecimentos por conta da música grosseira que se propunham a tocar enquanto os clientes faziam suas compras.


Recentemente fiquei abismada com as fotos de uma loja de roupa infantil, na qual meninas usavam roupas sensuais e faziam “carão”. O diabo trabalha muito bem enquanto estamos distraídos. C.S. Lewis nos lembra “A estrada mais segura para o inferno é a gradual – a ladeira suave, com chão suave, com curvas acentuadas, sem avisos de quilometragem e sem placas indicativas de sinalização.”


A cultura a nossa volta está sendo carregada como uma manada, e nós precisamos ser aqueles que param no meio do caminho, e os que tropeçarem em nós também serão forçados a repensar.


O apóstolo Paulo nos fala sobre não deixarmos que nossas mentes sejam moldadas (Rm. 12: 2), Jesus nos alertou sobre a capacidade de adulterar com nossos olhos (Mt. 5: 28), o autor de Hebreus nos lembra que devemos nos livrar de tudo que nos atrapalha, para que consigamos completar a carreira que nos foi proposta (Hb. 12: 1), Provérbios nos adverte a acima de tudo guardar nosso coração, porque dele depende toda a nossa vida (Pv. 4: 23). A Bíblia está nos ensinando como lidar com o mundo a nossa volta, incluindo a cultura. Nós não podemos redimir a cultura, mas podemos e devemos identificar nela meios que promovem a glória de Deus.


Deus se importa com a cultura, incluindo a pop. É um verdadeiro milagre que grandes produções como As Crônicas de Nárnia sejam realizadas e bancadas por Walt Disney; temos cristão fazendo rock e MPB de qualidade, temos fotógrafos cristãos imersos no mundo de celebridades e fazendo a diferença por meio de seus talentos. Devemos mostrar isso aos nossos filhos e incentivá-los a usar seus talentos para abençoar e promover a cultura. É importante que usufruamos com nossos filhos de bibliotecas, museus, teatros, cinema, esses lugares também são nossos e há muito o que se deslumbrar e aprender, mesmo que as marcas da queda se façam presentes em seus corredores. Precisamos nos posicionar como consumidores e refutar tentativas de empurrar sobre nós pressupostos que não condizem com o evangelho.


Francis Schaeffer escreveu: “O lugar para começar é entender que você e eu vivemos num mundo pós-cristão. Porque o homem negou Deus, há fome por todo lado; há morte na polis, há morte na cidade!” Não falta entretenimento para nossa sociedade, mas ainda assim ela grita em desespero, buscando algo que lhe dê mais do que alguns instantes de êxtase.


Como mães, temos muitas demandas, mas isso não nos livra da responsabilidade de saber conversar com nossos filhos sobre o mundo que eles estão inseridos. 

Precisamos saber quem são os pensadores que compõe a cosmovisão secular vigente, quem eram Simone de Beauvoir, Freud e Foucault e como suas visões de mundo influenciaram o pensamento ocidental atual. Teremos que tirar tempo para assistir filmes e depois sentar para perguntar se eles notaram algo de errado na trama ou em determinado personagem.


Não podemos mudar totalmente a cultura que estamos inseridas, mas podemos ser luzeiros em meio a tanta neblina, pilares em meio a tanta desconstrução; podemos ser aquelas que sustentam o absoluto da fé em meio a correnteza dos tempos da pós-verdade. Foi isso que fizeram muitos cristãos através dos séculos, agora é nossa vez, para que em breve sejam nossos filhos e filhas.

1 Comment


Guest
Jun 29, 2024

Uau! Que texto!

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