top of page
Writer's pictureMirelli Turrossi

Maternar e a Igreja



Alegria, era uma palhaça que participou das programações infantis da minha igreja de infância. Me lembro dela nas Escolas Bíblicas de Férias; ela usava uma roupa rosa, parte quadriculada, outra brilhosa com tule nos punhos e no calcanhar. Ela tinha uma luva branca e seu cabelo era cheio de cachinhos, metade rosa claro, metade rosa escuro.


Ela nos contou muitas histórias, mas a que eu mais gostava era a do Joãozinho Lâmpada; um abajur que precisava achar a razão de sua luz brilhar e nos falava sobre a luz do evangelho em nós.


Alegria era minha mãe. Eu a vi confeccionar seu figurino e seu material de contação de histórias com o que tinha em casa. As crianças não sabiam que aquela palhaça era a tia Mirene, esse era nosso segredo como filhos dela, e eu achava o máximo guardar a identidade secreta de Alegria. Anos depois, eu mesma confeccionei um jaleco (o qual ainda uso vez ou outra), coloquei um nariz de palhaço e ajudei em muitas programações infantis em diferentes igrejas.


Minha mãe foi regente do coral infantil uma época também, mas a igreja fazia parte de outros momentos do nosso cotidiano: uma vez por semana um seminarista jantava conosco, as vezes ovo, arroz e feijão mesmo, nada "especial". Muitas reuniões de casais e pequenos grupos aconteceram em nossa casa, meu pai ajudava a assar carne nos churrascos da na igreja após o culto. Esses dias, eu e meus irmãos lembrávamos do café da manhã de Páscoa; comentávamos como era horrível acordar tão cedo, mas a gente gostava do café.


A igreja foi como uma extensão de nossa casa, nossos irmãos em Cristo eram nossos tios e tias, brincávamos no pátio enquanto os adultos faziam assembleia, saíamos do culto de domingo à noite e íamos, a família toda, na casa de outra família, comer pipoca e ter um tempo juntos. Eu tenho muitas lembranças do clube OANCE, dos corinhos escritos em cartolinas, da coroa que a gente recebia na Escola Bíblica de Férias. Mas lembro também dos muitos velórios, que como igreja, enfrentamos juntos. As vezes, até rindo enquanto tomava um café entre um choro e outro.


Quando eu olho para o legado que eu recebi sobre o que é a igreja, eu desejo ardentemente que meu filho receba esse legado também. O evangelho nos apresenta a igreja de Cristo como seu corpo, uma família, não apenas um lugar que frequentamos. Essa visão sobre o que é a igreja e sua importância tem se perdido em meio as inúmeras demandas que os tempos da pós modernidade nos oferece e tem afastado muitos dos nossos filhos do que deveria ser a segunda casa deles: a igreja. E se ela não se apresenta dessa forma para eles, a responsabilidade é nossa.


Atualmente, cada vez que fazemos uma programação com as crianças em nossa igreja, temos dificuldades porque até mesmo as crianças têm suas agendas cheias de compromissos. A escola hoje é a segunda casa de muitos de nossos filhos, e isso precisa nos fazer parar e refletir no futuro que nos aguarda.


Tempos atrás, fui ter uma palavra com as crianças que fariam uma apresentação no culto, eu disse: “vocês são o futuro da igreja, daqui uns anos serão vocês tocando e cantando o louvor, e talvez um de vocês será nosso pastor”. Elas me olharam como se tivessem recebido uma visão de outro mundo, e isso me fez refletir mais uma vez em como o sentimento de pertencimento que nossas crianças deveriam ter com a igreja anda prejudicado. Quando elas pensam no futuro, elas não pensam na igreja como algo que faz parte da vida delas.


A visão secular da cultura que nos rodeia, como mães, irá nos influenciar a focar no desenvolvimento físico, motor e cognitivo de nossos filhos como nunca antes, mas juntamente com isso, nos farão ensinar nossos filhos a dançarem a música de nossa sociedade cansada e insaciável do desempenho, que quer a todo custo deixar Deus de lado e reduzir a igreja de Cristo, a algo antiquado e sem importância.


Não sejamos inocentes, nossos filhos já nascem competindo e sendo validados a depender do seu desempenho.


Nossas demandas são diferentes das de nossas mães, podemos até usar a desculpa de que os tempos mudaram e não temos tempo como antes para que nossos filhos estejam tão envolvidos com a igreja, até porque, nós mesmas talvez não estejamos. Em terra de internet, a mãe que consegue dividir sua maternidade com uma comunidade de fé, é rainha.


Mas e o futuro da igreja? Se nossos filhos não têm a igreja como um legado, ela sucumbirá em meio a neblina secular, como já é realidade de muitos países da Europa, por exemplo. Nossos filhos precisam se sentir pertencentes à igreja de Cristo, mas isso não vem dos nossos devocionais em casa ou dos materiais de leitura cristãos que lhes fornecemos: só pertence quem vive e se envolve com a igreja.


Tempos atrás, conversávamos com alguns jovens e eu lhes dizia que a comunidade de fé é um refúgio para eles; é neste lugar que eles devem ter liberdade para conversar francamente, inclusive, sobre o discurso secular em voga, das dificuldades que enfrentam como cristãos num mundo sem absolutos.


É na igreja que a mentalidade crítica e apologética é desenvolvida e fortalecida, porque somos um reino, não apenas indivíduos e sua espiritualidade privada. O evangelho nos fala de “Pai Nosso”, não podemos andar sozinhos, a oração de Cristo foi: “Que eles sejam levados à plena unidade, para que o mundo saiba que tu me enviaste, e os amaste como igualmente me amaste.”(João 17.23)


O diabo investe ferozmente contra a unidade da igreja, e encher nossas vidas de atividades e afazeres é mais um jeito de nos manter afastados dela o máximo possível.


A cosmovisão cristã nos fala da importância do corpo de Cristo, sua igreja, espalhada pelo mundo. Como mães cristãs, também é nosso dever repassar essa visão para nossos filhos, amando a igreja do Senhor, apesar de qualquer dificuldade que ela apresente. Precisamos dizer aos nossos filhos que não se trata de templos e paredes, mas de um reino de muitos irmãos espalhados pelo mundo e que fazemos parte dessa família, por isso nos importamos e nos unimos a ela.


Alegria não está mais nas programações infantis por aí. Hoje eu visto meu jaleco com bolsos de coração e conto as mesmas histórias bíblicas de décadas atrás para nossas crianças, porque os tempos mudaram, mas o evangelho não. Deus é o mesmo, ontem, hoje e sempre será. A importância de sua igreja percorre os séculos, dando os vislumbres da eternidade para um mundo sem luz. Queira Deus que meu filho almeje fazer parte desse corpo, desse reino, dessa luz acima de qualquer outro lugar.

 

“Não rogo que os tires do mundo, mas que os protejas do Maligno.

 Eles não são do mundo, como eu também não sou.  Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade.

 Assim como me enviaste ao mundo, eu os enviei ao mundo.


Em favor deles eu me santifico, para que também eles sejam santificados pela verdade.


Minha oração não é apenas por eles. Rogo também por aqueles que crerão em mim, por meio da mensagem deles, para que todos sejam um, Pai, como tu estás em mim e eu em ti. Que eles também estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste.


Dei-lhes a glória que me deste, para que eles sejam um, assim como nós somos um: eu neles e tu em mim. Que eles sejam levados à plena unidade, para que o mundo saiba que tu me enviaste, e os amaste como igualmente me amaste.


Pai, quero que os que me deste estejam comigo onde eu estou e vejam a minha glória, a glória que me deste porque me amaste antes da criação do mundo.


Pai justo, embora o mundo não te conheça, eu te conheço, e estes sabem que me enviaste. Eu os fiz conhecer o teu nome, e continuarei a fazê-lo, a fim de que o amor que tens por mim esteja neles, e eu neles esteja".


(João 17. 15, 26)

1 comentario


Keila Valentin
Keila Valentin
17 sept 2024

Que artigo maravilhoso! Que Jesus nos ajude a demonstrar tanto amor pela igreja dele de tal forma que nossos filhos amem a Igreja de Cristo também.

Me gusta
bottom of page